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Somente capacitação profissional e mudança de cultura podem evitar solicitação desnecessária de exames 

Somente capacitação profissional e mudança de cultura podem evitar solicitação desnecessária de exames 
Somente capacitação profissional e mudança de cultura podem evitar solicitação desnecessária de exames
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Estudo científico realizou intervenções para melhorar número de exames laboratoriais durante internações 

A solicitação contínua de exames laboratoriais sem uma análise prévia de necessidade acabou por se tornar uma prática comum nos hospitais, o que representa desperdício e consequências negativas para os pacientes como, por exemplo, quadros de anemias causadas por alto volume de coleta de sangue. 

Para reverter essa situação — que se enquadra dentro do conceito de overuse, ou excesso de uso em tradução literaldiversas sociedades internacionais passaram a recomendar mais cautela na solicitação de exames, sugerindo, inclusive, investimento em abordagens multifacetadas compostas por treinamentos, feedbacks e melhorias nos prontuários eletrônicos. 

Para analisar o cenário, uma pesquisa científica realizada entre 2016 e 2019 (ou seja, período pré-pandemia) promoveu um programa junto aos residentes e aos médicos docentes de uma unidade hospitalar universitária com 250 leitos. A proposta era incentivá-los a ter mais cuidado na solicitação de exames, exigindo que justificassem os pedidos. 

Foram checados os prontuários e pedidos de 15 semanas antes da implementação do projeto, que teve duração de 90 semanas. Posteriormente, mais 32 semanas foram observadas para entender o resultado das ações tomadas. A ideia principal era analisar a percepção dos participantes e o número de exames laboratoriais solicitados no período, porém também foram anotados, como resultados secundários, a taxa de readmissão dos pacientes em 30 dias, economia de custos, uso de punção venosa e tempo de internação. 

As intervenções foram segmentadas em cinco fases: 

  1. Palestras de 15 minutos, e-mails semanais sobre o tema e distribuição de material educativo, tudo com foco em estimular o pensamento cuidadoso sobre a solicitação de exames laboratoriais; 
  1. Implementação de novas opções no prontuário eletrônico e alteração nas opções de frequência de pedidos de exames laboratoriais; 
  1. Treinamentos com sessões interativas baseadas em estudos de casos e sobre medicina baseada em evidências; 
  1. Ênfase na comunicação entre residentes e docentes com reuniões mensais apresentando dados do projeto; 
  1. Novas mudanças no prontuário eletrônico. 

Inicialmente, 31% dos profissionais se diziam desconfortáveis em não ter exames laboratoriais matinais. Depois das intervenções (após 95 semanas), esse percentual caiu para 18%. Além disso, o percentual de residentes que confirmavam estar prestando mais atenção ao solicitar exames subiu de 40% para 91% e aqueles que diziam discutir a solicitação com suas equipes também aumentou de 57% para 98%. Já durante a fase 4 do projeto – quando o foco estava na comunicação entre docentes e residentes – 88% dos professores disseram encorajar pedidos mais conscientes de exames.  

As mudanças no prontuário eletrônico aparentemente foram bastante efetivas, sendo que 75% dos residentes disseram que essas alterações despertaram ainda mais atenção das equipes aos pedidos de exames, auxiliando na redução do desperdício. Uma das alterações, por exemplo, foi retirar a opção de “pedido diário”. 

Sobre os treinamentos, os residentes também relataram terem sido úteis para melhorar a rotina de pedidos de exames. Por fim, após todas as fases das intervenções, os residentes afirmaram que os lembretes por e-mail já deixavam de ser necessários para eles assumirem uma postura mais cuidadosa na solicitação de exames, visto que isso tinha sido incorporado como um hábito.  

Outro achado interessante foi que antes da intervenção, o número de exames laboratoriais solicitados estava aumentando e o projeto interrompeu essa tendência de crescimento.  

Entres os resultados secundários obtidos através do estudo, destaque para a economia financeira estimada de US$ 423 mil por 1.000 pacientes/dia nos custos laboratoriais. A pesquisa não considerou economias obtidas posteriormente. A taxa de readmissão em 30 dias também foi reduzida (de 1,23 para 0,95/1000 altas); e o número de pacientes submetidos à punção venosa também caiu 10%. 

O que se percebe, por fim, é que se trata de uma mudança cultural necessária entre as equipes hospitalares, o que é um desafio para os gestores. No Brasil, por exemplo, segundo o Mapa Assistencial da Saúde Suplementar publicado em 2021 pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), os exames representam 26,4% das despesas assistenciais ambulatoriais.  

O cenário também se repete fora do rol de exames laboratoriais. Em 2017, a ANS declarou que os médicos brasileiros dos planos de saúde pedem mais tomografias e ressonâncias magnéticas do que os profissionais de países desenvolvidos – enquanto na Alemanha a média anual de ressonâncias é de 52 por mil habitantes, no sistema suplementar do Brasil essa taxa foi de 149 por mil beneficiários em 2016.  

Segundo a Agência, o número desses procedimentos cresceu 22% em dois anos, indicando uma possível falta de atenção nas solicitações. Nesse caso, inclusive, exames como as tomografias em excesso expõem os pacientes a uma elevada frequência de radiação desnecessariamente. 

Neste sentido, o Dr. Lucas Zambon, Diretor Científico do IBSP, destaca:

Importante destacar que em uma ótica de domínios da qualidade, ações como as demonstradas neste relato de caso, acabam por tangenciar a busca por efetividade, que é incrementar a prática baseada em evidências, a eficiência, que trata-se de evitar desperdícos, mas também a segurança do paciente, pois ao se coletar menos exames, evita-se a possibilidade do “overdiagnosis” ou excesso de diagnósticos que podem ocorrer por resultados falso-positivos, o que em geral leva a uma maior exposição a riscos sem que haja benefício real ao paciente […] Este artigo pode servir de inspiração para intervenções similares em outros locais, que não devem esquecer de suas particularidades culturais e estruturais quando pensarem em lidar com este assunto.

Referências

(1) Empowering medicine residents to order labs mindfully to improve patient-centered care 

(2) Mapa Assistencial da Saúde Suplementar 2021 

(3) Médico pede mais exames no Brasil do que em país rico 

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