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O que impacta em mortalidade após a alta da UTI?

O que impacta em mortalidade após a alta da UTI?
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Preditores de Mortalidade pós alta da UTI

 

Lucas Santos Zambon

 

Hoje, há mecanismos para calcular a probabilidade de morte de um paciente internado em uma unidade de terapia intensiva (UTI). Ferramentas como SAPS II, SAPS III, APACHE II, APACHE IV são usados rotineiramente em UTIs como indicadores fundamentais do processo de assistência e do resultado esperado. Porém, outros fatores podem influenciar a mortalidade deste paciente, e a literatura recente aponta muito para a relação entre altas da UTI em horários noturnos como causa de aumento de mortalidade. Na Austrália, por exemplo, a mortalidade de pacientes que recebem alta da UTI à noite passou a ser indicador de qualidade conforme o Australian Council of Healthcare Standards.

Entretanto, outras questões podem influenciar na continuidade do cuidado após a alta da UTI e nunca foram adequadamente exploradas. Será que é apenas o horário de alta da UTI que influencia a mortalidade hospitalar destes pacientes?

Para tentar responder essa questão, foi realizado um estudo multicêntrico que uniu dados de 35 UTIs da Austrália e cinco da Nova Zelândia (a maior parte de hospitais terciários ou quaternários). Foram incluídos para o estudo mais de 10 mil casos. Por uma questão de normatização, foram consideradas altas “noturnas” as que ocorreram entre 18h e 6h. E do total de casos, 16,4% recebeu alta neste período (1.672 casos).

De fato, a mortalidade destes casos que receberam alta noturna foi maior, chegando a 7,4% contra 4,8% de quem recebeu alta durante o período diurno (P<0,01). Porém, foi feita uma análise que comparou a chance de morte não só levando em conta o horário da alta, mas algumas características do paciente na saída da UTI, incluindo a condição clínica na alta (ainda estar precisando de diálise, de dieta parenteral, estar com traqueostomia ou com rebaixamento do nível de consciência), e também se havia registro de limitação de intervenções (ou seja, estar em situação de paliação exclusiva descrita em prontuário).

 

Foco na condição clínica

Diante desta análise foi obtido um resultado interessantíssimo. Comprovou-se que não foi o horário de alta que influenciou negativamente a mortalidade (odds ratio para morte em alta no período noturno foi de 1,16; IC95%: 0,89–1,53). Por outro lado, a condição clínica na alta foi mais importante como preditor de mortalidade.

Os fatores de risco associados à maior mortalidade hospitalar foram relacionados à condição clínica na alta, como o fato do paciente ainda estar precisando de diálise na alta da UTI (Odds Ratio: 3,66; IC95%: 2,10-6,15; P<0,001), a necessidade de nutrição parenteral (Odds Ratio: 2,33; IC95%: 1,42-3,85; P=0,001), e o pacientes estar com Glasgow < 15, demonstrando rebaixamento do nível de consciência (Odds Ratio: 2,01; IC95%: 1,57-2,58; P<0,001). E por fim, o resultado mais interessante: o maior fator de risco para mortalidade pós-alta da UTI foi o paciente ter limitação de tratamento instituída (Odds Ratio: 35,40; IC95%:27,50-45,57; P<0,001).

A conclusão desse estudo é de que, em primeiro lugar, o horário da alta da UTI não é necessariamente o que pode levar à piora de mortalidade hospitalar. Aqui já podemos ter como desdobramento que não é necessário “segurar” altas da UTI à noite, pois isso não seria um problema. É melhor ficar com o leito disponível para alguém que precise mais do que ter medo de liberar um caso para uma enfermaria. O que é mais importante é a condição em que o paciente sai na alta, e quanto pior esta condição, maior a chance de morrer (o que faz bastante sentido).

 

Critério de alta na UTI

Aqui já surge uma oportunidade, que é criar critérios para cuidados especiais neste perfil de pacientes de maior risco de morte (conforme o estudo), sendo que estes deveriam ser preferenciais para unidades semi-intensivas ou pelo menos para uma linha de cuidado assistencial diferenciado. E, por último, a questão da limitação de intervenções. Essa precisa estar muito clara e descrita em prontuário. Além disso, essa informação precisa ser adequadamente transmitida quando o paciente sai da UTI.

Aqui cabe uma interpretação fundamental: esse dado demonstra que ter uma visão prognóstica adequada e evitar obstinação terapêutica são peças fundamentais para conduzir e interpretar mortes após a alta da UTI.  Isso mostra a necessidade dessa avaliação ser feita de rotina, e que é necessário existir uma abordagem em termos de paliação dentro das UTIs, pois isso racionaliza recursos e provavelmente fornece uma assistência mais humanizada. E para quem faz a gestão, essa abordagem fornece dados para subsidiar a interpretação das mortes que porventura ocorram no hospital.

 

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