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Por que os hospitais não deixam os pacientes dormir?

Por que os hospitais não deixam os pacientes dormir?
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Pacientes prestes a ser acordada no hospital: por que diminuir intervenções é difícil se o sono é importante para recuperação? (Bigstock)
Paciente prestes a ser acordada no hospital: por que diminuir intervenções à noite é difícil, se dormir é importante para a recuperação? (Bigstock)

A dificuldade para ter uma boa noite de sono no hospital não é exatamente uma novidade para pacientes e profissionais de saúde. Em média, a duração do descanso é duas horas menor nos hospitais do que em casa, segundo um levantamento australiano publicado no ano passado. Os pacientes passam a dormir cinco horas por noite, em vez das sete regulares (1).  Agora, uma leva recente de estudos está conseguindo mostrar como a falta de descanso pode atrapalhar a recuperação. Serão eles suficientes para que o respeito ao período de descanso entre, de fato, na lista de prioridade dos hospitais?

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Os efeitos da falta de sono

Em março, pesquisadores americanos sugeriram, em um pequeno estudo, que a privação de sono nos torna 15% mais sensíveis à dor (2). Com a ajuda de ressonância magnética funcional, mostraram que a falta de descanso aumentava a atividade cerebral nas regiões relacionadas à percepção da dor e inibia a ativação das áreas que ajudam no controle. O maior problema não pareceu ser a duração no período total de descanso, mas as interrupções que fazem com que os períodos de sono profundo sejam menores. Os achados têm um relação direta com a realidade dos hospitais, onde o sono costuma ser interrompido para cuidados – o que pode contribuir para maior sensação de dor e, consequentemente, maior uso de analgesia/sedação.

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A cicatrização também parece ser afetada pela privação de sono – uma associação conhecida há mais de 30 anos (3) e reforçada por novos estudos. Em linhas gerais, a privação de sono parece causar alterações na função imune e produzir inflamação (4).

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Privação de descanso e interrupções frequentes, que reduzem os períodos de sono profundo, também levam a um estado de confusão mental, associado a delirium (5) e síndrome de pós-hospitalização, quando ocorre readmissão não pelo problema original, um sinal de que a internação causou um novo problema (6).

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O que mantém os pacientes acordados no hospital

A equipe de profissionais foi apontada pelos pacientes como a principal culpada pela dificuldade para dormir, segundo estudo realizado em 2009 (7):

  • 42% se queixaram da equipe;
  • 38% atribuíram a dificuldade ao desconforto causado pela doença;
  • 22% culparam o barulho (19% se queixaram, principalmente, de vozes);
  • 15% disseram ficar acordados por preocupações
  • 12% afirmaram que estar conectados a dispositivos atrapalhou o sono.

O resultado sugere que, além dos desconfortos causados pelo ambiente estranho e inerentes à própria condição de saúde, o descanso acaba perdendo em precedência para os cuidados clínicos nas instituições de saúde. Culturalmente nos hospitais, ainda é difícil postergar alguns cuidados em função da defesa do período de descanso – um cenário que vem mudando, mas que ainda está mais na teoria no que na prática.

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Outro estudo, baseado em entrevistas semi-estruturadas com pacientes, também sugere que fatores emocionais e ansiedade aparecem entre as principais causas da privação de sono, especialmente em unidades de terapia intensiva (8). Os autores recomendam intervenções para aliviar essa carga emocional, algo que parece ainda distante. Mesmo medidas mais simples, que ajudariam a reduzir a influência de fatores ambientais na privação de sono, custam a ser implementadas.

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Como preservar o descanso dos pacientes

A maior parte das pesquisas realizadas sobre o tema avalia um conjunto de intervenções. Por isso, é difícil precisar qual tipo tem maior impacto.

Alguns hospitais já testaram instituir técnicas de relaxamento, como massagens, mudar o sistema de luzes, colocar músicas calmantes no sistema interno de som no começo da noite e até aromaterapia. Uma revisão não encontrou evidências convincentes para as massagens e a aromaterapia. Mas encorajou o uso de música e alterações na iluminação (9).  

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Tentar reproduzir o ciclo dia/noite mostrou certo grau de sucesso na experiência de um hospital holandês. A instituição dividiu os pacientes entre salas com iluminação padrão fluorescente e quartos com um projeto de iluminação que simulava o ciclo dia/noite, de 24 horas, com mudanças na intensidade e na cor da luz (mais brilhante durante o dia, menos durante a noite). Após cinco dias da intervenção, o tempo de sono dos pacientes nos quartos com iluminação especial aumentou em mais de 7%, o equivalente a 29 minutos por noite (10).

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Apesar de promissoras, as mudanças de infraestrutura e adoção de tecnologias podem não ter um impacto tão grande porque não se concentram na principal queixa dos pacientes: é possível diminuir o entra e sai dos quartos durante a noite? Talvez, esse seja o grande desafio dos serviços de saúde.

Um pequeno hospital nos Estados Unidos resolveu testar vários tipos de intervenção ao mesmo tempo: medidas tecnológicas, como instalar sensor de ruídos, e comportamentais, como restringir procedimentos à noite. Esse tipo de medida foi levado a sério: os médicos da instituição foram aconselhados a mudar regimes de medicação, quando possível, para evitar doses noturnas, o uso regular de diuréticos foi vetado a partir das 16h, e a rotina de monitoramento de sinais vitais foi alterada para que não acontecesse durante a madrugada. O resultado foi uma redução de 50% no uso de sedativos após o início da intervenção. “Nosso protocolo sugere que é possível aplicá-lo a um baixo custo”, escreveram os autores no artigo (7). É mais uma evidência de que o problema da privação de sono nos hospitais é de cultura, não de tecnologia.

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Veja algumas das medidas usadas pelo hospital americano, que compõem o “Protocolo de Sommerville”, em referência ao nome da instituição em que foi criado.

        POR UMA BOA NOITE DE SONO

  • Definir período de silêncio
    Entre as 22h e 6h, os procedimentos não urgentes devem ser evitados
  • Mudar rotina de monitoramento
    Sinais vitais podem ser medidos às 6h, 14h e 22h.
  • Evitar acordar pacientes para medicar
    Orientar os médicos a prescrever drogas, quando possível, no formato BID, TID, QID (X vezes ao dia). Prescrições em q24h, q12h, q8h engessam os horários
  • Não administrar diuréticos rotineiramente após às 16h
    Além de afetar o sono, pode ser um fator para queda
  • Instalar alerta de ruídos
    Aparelhos que medem o nível de decibéis no posto de enfermagem e emitem alerta visual ajudam a monitorar barulho. Uma pesquisa mostrou que os níveis de ruído podem exceder em até 80% o recomendado pela OMS, que deve ser menor do que 30 decibéis (1)
  • Adotar timer nas luzes dos corredores
    As luzes principais devem diminuir automaticamente às 22h
  • Implantar rotina noturna
    Incentivar a enfermagem a tirar os sinais vitais, administrar medicação e trocar fluidos intravenosos antes do período de silêncio

REFERÊNCIAS

  1. (1) Delaney, L. J., Currie, M. J., Huang, H. C., Lopez, V., & Van Haren, F. (2018). “They can rest at home”: an observational study of patients’ quality of sleep in an Australian hospital. BMC health services research, 18(1), 524. doi:10.1186/s12913-018-3201-z
  2. (2) Adam J. Krause, Aric A. Prather, Tor D. Wager, Martin A. Lindquist, Matthew P. Walker. The Pain of Sleep Loss: A Brain Characterization in Humans. Journal of Neuroscience 20 March 2019, 39 (12) 2291-2300; DOI: 10.1523/JNEUROSCI.2408-18.2018
  3. (3) Smith TJ, Wilson MA, Karl JP, Orr J, Smith CD, Cooper AD, Heaton KJ, Young AJ, Montain SJ. Impact of sleep restriction on local immune response and skin barrier restoration with and without “multinutrient” nutrition intervention. J Appl Physiol (1985). 2018 Jan 1;124(1):190-200. 
  4. (4) Michalopoulos, G., Vrakas, S., Makris, K., & Tzathas, C. (2018). Association of sleep quality and mucosal healing in patients with inflammatory bowel disease in clinical remission. Annals of gastroenterology, 31(2), 211–216. doi:10.20524/aog.2018.0227
  5. (5) Figueroa-Ramos, M.I., Arroyo-Novoa, C.M., Lee, K.A. et al. Sleep and delirium in ICU patients: a review of mechanisms and manifestations. Intensive Care Med (2009) 35: 781. 
  6. (6) Deena S. Goldwater, MD, PhD, Dharmarajan K, Bruce S. McEwen, Phd, Krumholz HM, Is Posthospital Syndrome a Result of Hospitalization-Induced Allostatic Overload?. J Hosp Med. Online Only. May 30, 2018. doi: 10.12788/jhm.2986
  7. (7) Bartick, M. C., Thai, X., Schmidt, T., Altaye, A., & Solet, J. M. (2009). Decrease in as-needed sedative use by limiting nighttime sleep disruptions from hospital staff. Journal of Hospital Medicine, NA–NA. doi:10.1002/jhm.549
  8. (8) Ding, Q., Redeker, N. S., Pisani, M. A., Yaggi, H. K., & Knauert, M. P. (2017). Factors Influencing Patients’ Sleep in the Intensive Care Unit: Perceptions of Patients and Clinical Staff. American journal of critical care : an official publication, American Association of Critical-Care Nurses, 26(4), 278–286. doi:10.4037/ajcc2017333
  9. (9) DuBose, J. R., & Hadi, K. (2016). Improving inpatient environments to support patient sleep. International Journal for Quality in Health Care, 28(5), 540–553.doi:10.1093/intqhc/mzw079  
  10. (10) Giménez, M. C., Geerdinck, L. M., Versteylen, M., Leffers, P., Meekes, G. J. B. M., Herremans, H., … Schlangen, L. J. M. (2016). Patient room lighting influences on sleep, appraisal and mood in hospitalized people. Journal of Sleep Research, 26(2), 236–246.doi:10.1111/jsr.12470

 

 

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