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Prevenção de sangramento gastrointestinal: boa prática ou risco desnecessário?

Prevenção de sangramento gastrointestinal: boa prática ou risco desnecessário?
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Cápsulas de medicamentos: hospitais não usam com clareza critérios para prevenção de sangramentos gastrointestinais (Piotr Adamowicz/Bigstock)

Cápsulas de medicamento: hospitais não usam com clareza critérios para prevenção de sangramentos gastrointestinais (Piotr Adamowicz/Bigstock)

A NOVIDADE – A necessidade de prescrever protetores gástricos para pacientes hospitalizados foi questionada mais uma vez por um artigo do The New England Journal of Medicine (NEJM) na semana passada (1). Pesquisadores do departamento de Bioestatística, Epidemiologia e Clínica Médica da Universidade McMaster, do Canadá, reuniram dados que mostram que a frequência de hemorragias em úlceras de estresse (SDUE) – sangramentos gastrointestinais em pacientes fragilizados – é menor do que se pensava. Também não está claro se os benefícios superam os riscos. Estudos mostram que a condição afeta apenas entre 1,5% a 3,5% dos pacientes críticos. Outra pesquisa, com mais de 35 mil pacientes em ventilação mecânica, sugeriu que as chances de ter pneumonia eram 1,2 vezes maiores naqueles que estavam no protocolo de prevenção. Outro risco é a modificação do microbioma gastrointestinal, o que facilitaria o desenvolvimento de diarreias e inflamações intestinais graves, como as causadas pelo bacilo Clostridium difficile.

O CONTEXTO – Em muitos hospitais, adotou-se como padrão incorporar a profilaxia para pacientes em estado crítico e até para outros menos graves – inclusive após a alta. Entre os tipos de drogas mais usados estão bloqueadores histaminérgicos (BH2), como a cimetidina, ranitidina e famotidina, e inibidores de bomba de prótons, como omeprazol e pantoprazol. Um estudo feito no Rio de Grande do Sul dá evidências da dificuldade de classificar o risco dos pacientes e a falta de critérios para indicar protetores gástricos. Não recebiam a profilaxia 25,7% dos que deveriam ser considerados de alto risco. Mas 70% dos considerados de risco intermediário e baixo estavam no protocolo. (2).

A PRÁTICA – Além de considerar os riscos para os pacientes em prol dos benefícios, é preciso considerar o aumento do custo do tratamento, principalmente quando a profilaxia é desnecessária. Uma diretriz da Sociedade Americana de Farmacêuticos do Sistema de Saúde, publicada em 1998, recomenda que a prevenção não seja usada fora de UTIs (4). Os autores do novo artigo pedem com urgência por novas guidelines que deixem os critérios de prescrição mais claros. Enquanto isso, os dados compilados no novo artigo podem ajudar os profissionais em suas decisões.

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Leia a reportagem completa a seguir:

Um artigo de revisão publicado no The New England Journal of Medicine (NEJM), na última semana, reuniu dados que reforçam a ideia de que a prevenção de sangramentos de úlcera de estresse (SDUE), prática adotada indiscriminadamente em hospitais do mundo todo, deve ser repensada (1). Estudos já publicados e compilados no novo artigo sugerem que a frequência desse tipo de hemorragia é menor do que a estimada anteriormente e que os riscos dos eventos adversos causados pela medicação são mais comuns e mais associados à mortalidade do que o próprio sangramento. O artigo se concentrou na análise de bloqueadores histaminérgicos e inibidores de bomba de prótons, alguns dos protetores gástricos mais usados.

Em pacientes em condição grave, a complexa rede de defesa que protege a mucosa estomacal não funciona normalmente, deixando o revestimento do estômago mais suscetível à acidez – e ao desenvolvimento de lesões, chamadas úlceras de estresse. Sangramentos do trato gastrointestinal superior – esôfago, estômago e duodeno – são clinicamente relevantes. Podem exigir transfusões sanguíneas e outros procedimentos invasivos, além de aumentar o tempo de permanência em até oito dias e o risco de morte – apesar de alguns estudos colocarem a relação em dúvida.

Para evitar essas complicações, adotou-se como padrão, na maior parte dos hospitais, incorporar a profilaxia para pacientes em estado crítico e até para outros menos graves. É comum a prescrição ser mantida até após a alta. Os protocolos mais usados empregam bloqueadores histaminérgicos (BH2), como a cimetidina, ranitidina e famotidina, e inibidores de bomba de prótons, como omeprazol e pantoprazol.  

Levantamentos sugerem que cerca de 80% dos pacientes são colocados em profilaxia e que a prevenção continua mesmo após a alta. São considerados pacientes de risco para sangramento gastrointestinal aqueles que já têm algum histórico ou que preenchem critérios como ter mais de 60 anos, complicações no fígado, falência aguda renal, ter desenvolvido sepse, ter problemas de coagulação ou fazer uso de drogas anticoagulantes. Estar em ventilação mecânica invasiva por pelo menos 48 horas também é considerado fator de risco.

No dia a dia dos hospitais, os critérios não são tão cristalinos. No Rio Grande do Sul, um levantamento em 21 UTIs de três cidades – Porto Alegre, Novo Hamburgo e Caxias do Sul – sugere a dificuldade de classificar o risco dos pacientes e a falta de critérios para indicar protetores gástricos. Durante um dia, os pesquisadores acompanharam 235 pacientes. Destes, 73% foram classificados de alto risco – mas 25,7% não recebiam profilaxia. O contrário também acontecia. Cerca de 70% dos pacientes considerados de risco intermediário ou baixo – e que, segundo os estudos, não se beneficiam da prevenção – estavam no protocolo de profilaxia. “Esta prática talvez implique em aumento de riscos para efeitos colaterais por interação medicamentosa e, provavelmente, aumento nos custos da hospitalização”, escreveram os autores do estudo, publicado em 2006 na Revista Brasileira de Terapia Intensiva (2).

Dados antigos davam conta de que os sangramentos gastrointestinais eram frequentes. Estimava-se que hemorragias ocultas aconteciam em 50% dos pacientes críticos e que as visíveis atingiam até 25% deles. Porém, estudos da década de 1990 mostram que a condição parece menos comum: afeta entre 1,5% a 3,5% dos pacientes críticos. Ainda não se sabe se a melhoria dos cuidados está por trás da mudança drástica ou se os cálculos estavam apenas superestimados. Afinal, o diagnóstico de sangramento oculto era feito por endoscopia, intervenção que por si própria pode causar o achado.

Diante desse quadro – e de outros estudos que mostraram os eventos adversos causados pela profilaxia – a prevenção por definição começou a ser questionada. Uma pesquisa com mais de 35 mil pacientes em ventilação mecânica sugeriu que as chances de ter pneumonia eram 1,2 vezes maiores naqueles que tomavam inibidores de bomba de prótons. Outras análises ligam a prevenção à modificação do microbioma gastrointestinal, o que poderia facilitar o desenvolvimento de diarreias e inflamações intestinais graves, como as causadas pelo bacilo Clostridium difficile.

Já há modelos matemáticos que consideram que pacientes de baixo risco na UTI e em unidades clínicas e cirúrgicas não devem receber profilaxia para sangramento gastrointestinal, em razão do aumento do risco de danos em vez de benefícios (3). Uma diretriz da Sociedade Americana de Farmacêuticos do Sistema de Saúde, publicada em 1998, recomenda que a prevenção não seja usada fora de unidades de terapia intensiva (UTIs) (4).

Além da hipótese de possíveis riscos superarem os benefícios, a prevenção do sangramento de úlceras de estresse  também é polêmica porque envolve os custos de internação e do tratamento. Um cálculo feito por pesquisadores americanos em 1997 já estimava um custo adicional de US$ 2.272 na época, de profilaxias desnecessárias para 89 pacientes que participaram da primeira fase do estudo. Na segunda fase, o gasto desnecessário foi de US$1.417 para a prevenção em 90 pacientes que não preenchiam os requisitos (5)

No recente artigo do NEJM, os autores pedem agilidade na realização de novas pesquisas que ajudem a dirimir as dúvidas e permitam aos profissionais de saúde terem mais confiança para indicar – ou contraindicar – a profilaxia. “Determinar quais pacientes fora de UTIs são melhores atendidos pela supressão profilática de ácido, assim como quais pacientes não devem recebê-la é uma prioridade premente de saúde”, escreveram os pesquisadores do departamento de Bioestatística, Epidemiologia Clínica e Médica da Universidade McMaster, do Canadá. A revisão compila mais dados para ajudar os profissionais e os serviços de saúde a embasar suas decisões enquanto não há diretrizes mais claras sobre o assunto.

 

SAIBA MAIS:

(1) Cook, D., Guyat, G. Prophylaxis against Upper Gastrointestinal Bleeding in Hospitalized Patients. N Engl J Med, 378:2506-2516. 

(2) Machado, André Sant’Ana, & Teixeira, Cassiano. (2006). Profilaxia para úlcera de estresse nas unidades de terapia intensiva: estudo observacional multicêntrico. Revista Brasileira de Terapia Intensiva, 18(3), 229-233. 

(3) Pappas, M., Jolly, S., & Vijan, S. (2016). Defining Appropriate Use of Proton-Pump Inhibitors Among Medical Inpatients. Journal of General Internal Medicine, 31(4), 364–371. 

(4) ASHP Therapeutic Guidelines on Stress Ulcer Prophylaxis. ASHP Commission on Therapeutics and approved by the ASHP Board of Directors on November 14, 1998American Journal of Health-System Pharmacy Feb 1999, 56 (4) 347-379.

(5) Erstad BL, Camamo JM, Miller MJ, Webber AM, Fortune J. (1997) Impacting cost and appropriateness of stress ulcer prophylaxis at a university medical center. Crit Care Med. 1997 Oct;25(10):1678-84.

 

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