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Síndrome de Pós-Hospitalização: quando a readmissão mostra que o hospital é a causa do problema

Síndrome de Pós-Hospitalização: quando a readmissão mostra que o hospital é a causa do problema
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No corredor do hospital de novo: readmissão pode ser causada por consequências da primeira internação (Bigstock)
No corredor do hospital novamente: readmissão pode ser causada por consequências da primeira internação (Bigstock)

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Marcela Buscato

A readmissão após a alta hospitalar se tornou um dos indicadores mais importantes de qualidade nos últimos anos. Por ser um indício da capacidade dos hospitais de resolver problemas de saúde,  o índice de readmissões foi estabelecido pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) como um dos critérios para definir reajustes entre operadoras e prestadores de serviço quando não há acordo entre eles (1). Para melhorar as taxas de reinternação (até 30 dias após a primeira), é preciso investigar os motivos por trás da volta dos pacientes, um ciclo que envolve causas invisíveis para os profissionais que estão diariamente no hospital, mas que afetam quem está internado de maneira decisiva. Elas podem dar origem à Síndrome de Pós-Hospitalização. O nome dá pistas sobre a condição: é quando a hospitalização original provoca problemas de saúde. A causa da segunda internação não é a mesma da primeira. Ou seja, em vez de ser a solução, o hospital vira a causa do adoecimento.

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No Brasil, as taxas de readmissão, independentemente da natureza, são altas. Um levantamento feito pela pesquisadora Marizélia Leão Moreira, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), a partir de cerca de 13 mil internações realizadas em 2006, chegou a um índice de 19,8% (2). Outro estudo fornece pistas da ocorrência de Síndrome de Pós-Hospitalização no país, ao diferenciar as causas da primeira e segunda admissões. A pesquisa, mais localizada, realizada em um único hospital de São Paulo com dados relativos a 2003, sugeriu que cerca de 40% das reinternações foram provocadas por condições diferentes da primeira – um indício da Síndrome de Pós-Hospitalização(3).

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Nos Estados Unidos (EUA), as taxas de readmissão no início dos anos 2010 eram semelhantes a do Brasil, na casa dos 20%, o que provocou uma atitude radical do governo. A partir de 2012, o órgão que repassa verbas começou a deduzir 1% de cada pagamento feito a serviços da rede pública onde a incidência de reinternação era alta. A penalidade subiu para 2% e chegou a 3% em 2014. Dois anos depois, em 2016, os dados oficiais indicavam que a taxa de readmissão caira para 18% – um resultado não tão espetacular. Mas um começo.

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A Síndrome de Pós-Hospitalização foi descrita pela primeira vez em 2013, pelo cardiologista Harlan M. Krumholz, pesquisador da Universidade Yale, em um artigo no The New England Journal of Medicine (4). Krumholz analisava as estatísticas de reinternação dos sistemas públicos de saúde dos EUA quando percebeu que por trás dos números altos havia um padrão. Muitos voltavam ao hospital não em razão do problema original. Entre os pacientes que deram entrada a princípio com insuficiência cardíaca, pneumonia ou doença pulmonar obstrutiva crônica, a causa da readmissão era a mesma para apenas 37%, 29% e 36% respectivamente. Ou seja: entre cerca de 60% e 80% das readmissões eram decorrentes da própria internação. Os pacientes chegavam ao hospital pela segunda vez com infecções, anemia, sangramentos gastrointestinais ou por terem caído por estarem fracos e desorientados. Os mais afetados eram os idosos.

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Krumholz aventou a hipótese de que esses problemas têm como causa o ambiente estressante do hospital – além de eventos adversos decorrentes das intervenções. Os pacientes perdem o direito de se alimentar quando e como querem, o que pode levar à perda de peso e desnutrição. Têm os movimentos limitados, o que provoca rápida perda muscular, principalmente nos mais idosos. Em um ambiente desconhecido para eles e, muitas vezes, quase inóspito, são expostos a estímulos dolorosos para fazer exames, a interrupções constantes do sono, a luzes e sons desconfortáveis quase o tempo todo. “Cada uma dessas perturbações pode afetar adversamente a saúde e prejudicar o período inicial de recuperação ao limitar a capacidade do organismo de se defender e ao causar desorganização mental”, escreveu Krumholz, no artigo original.

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Este ano, em maio, um grupo de pesquisadores americanos, do qual o próprio Krumholz faz parte, analisou estudos já publicados que mostravam os impactos, em modelos animais, da privação de sono e comida e da exposição a ambiente perturbadores (afinal, quem faria isso com seres humanos, não é mesmo?). Então, eles os compararam com os sintomas e problemas decorrentes da Síndrome de Pós-Hospitalização. E chegaram à conclusão de que os resultados eram semelhantes. “Embora a maior parte dessas pesquisas destaquem os efeitos mutissistêmicos da exposição variável ao estresse em animais saudáveis, evidências preliminares sugerem que animais idosos ou doentes, submetidos a fatores estressores adicionais, exibem uma resposta inflamatória aumentada que contribui para o adoecimento prolongado e déficit cognitivo”, escreveram os autores no artigo publicado no Journal of Hospital Medicine (5). A explicação fisiológica de por que esses estímulos ambientais se traduzem em enfraquecimento estaria no desequilíbrio do eixo Hipotálamo-Pituitária-Adrenal (HPA), que regula a produção de hormônios associados ao estado de alerta e estresse.

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Outros estudos de Krumholz sugerem que os dias imediatamente após a alta são os mais perigosos para a manifestação dos sintomas da síndrome. Ao acompanhar a readmissão de pacientes que tinham dado entrada com quadros de insuficiência cardíaca, infarto e pneumonia, a equipe de Krumholz percebeu que o pico de reinternações era entre o quarto e décimo dia após a alta – ainda que o risco permanesse entre três e cinco semanas (6).

Algumas mudanças na operação dos hospitais e em seu ambiente podem ajudar a evitar a ocorrência da síndrome e a reduzir as readmissões. Muitos já promoveram alterações, mas é comum que as mudanças sejam vistas como ações de menor importância – ou cosméticas – quando, na verdade, podem impactar de maneira importante o dia a dia dos pacientes:

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* Fazer exames de maneira mais racional, estritamente quando necessários, pode poupar os pacientes de alterações na rotina, situações desconfortáveis e estímulos dolorosos;
* Evitar interrupções do sono, quando possível, para administração de medicamentos ou checagem de sinais vitais, melhora a qualidade do repouso;
* Estimular caminhadas, mesmo que o paciente esteja ligado a bolsas de infusão, promove bem-estar e evita perda rápida de massa muscular;
* Monitorar o peso dos pacientes é uma maneira de perceber alterações significativas e propor alterações na dieta;
* Tornar o ambiente confortável, sem barulhos constantes e com luzes aconchegantes, produz conforto e proporciona relaxamento;
* Para pacientes idosos, que têm maior risco de desorganização mental com a perda da rotina, o uso das próprias roupas ou objetos pessoais deve ser incentivado.

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Aprimorar a comunicação com o paciente durante e após a internação parece como uma das medidas mais significativas para diminuir os números de readmissão. Um estudo americano que analisou dados de 3.474 hospitais durante seis anos constatou uma redução de 5% nas taxas quando eram adotadas medidas com foco na comunicação. O engajamento do paciente durante a internação – com explicações sobre sua condição, procedimentos e metas do dia – permite que ele seja capaz de fazer a gestão da própria saúde quando sair do hospital. O acompanhamento pós-alta com telefonemas – às vezes informatizados – também ajudou a identificar problemas com mais rapidez e evitar a necessidade de reinternação (7).

SAIBA MAIS

(1) Brasil. Agência Nacional de Saúde. Indicador de Proporção de readmissão em até 30 dias da última alta hospitalar 

(2) Moreira, M.L. Readmissões no sistema de serviços hospitalares no Brasil. 2010. Tese (Doutorado em Medicina Preventiva) – Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.

(3) Borges, M.F.; Turrini, R.N.T. Readmissão em serviço de emergência: perfil de morbidade dos pacientes. Revista da Rede de Enfermagem do Nordeste, Fortaleza, v. 12, n.3, p. 453-461, 2011.

(4) (Krumholz, H. M. (2013). Post-Hospital Syndrome – A Condition of Generalized Risk. The New England Journal of Medicine, 368(2), 100–102. http://doi.org/10.1056/NEJMp1212324)

(5) Deena S. Goldwater, MD, PhD, Dharmarajan K, Bruce S. McEwen, PhD, Krumholz HM. Is Posthospital Syndrome a Result of Hospitalization-Induced Allostatic Overload?. J Hosp Med. Online Only. May 30, 2018. doi: 10.12788/jhm.2986

(6) Krumholz HM, Hsieh A, Dreyer RP, Welsh J, Desai NR, et al.  Trajectories of Risk for Specific Readmission Diagnoses after Hospitalization for Heart Failure, Acute Myocardial Infarction, or Pneumonia. (2016) PLOS ONE 11(10): e0160492. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0160492

(7) Claire Senot, Aravind Chandrasekaran, Peter T. Ward, Anita L. Tucker, and Susan D. Moffatt-Bruce. The Impact of Combining Conformance and Experiential Quality on Hospitals’ Readmissions and Cost Performance. Management Science (2016) 62:3, 829-848.

 

É possível reduzir a taxa de readmissão, um importante indicador de qualidade, ao identificar se esse mal assola o serviço

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