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Rever processos reduz erros e garante segurança do paciente

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Segurança do Paciente depende de processos seguro

 

Lucas Santos Zambon

 

É possível afirmar que a função dos pais se resuma a zelar pelo bem estar dos filhos. Via de regra, é isso que acontece. Mas, dentro desse processo, existe um fator que é inevitável: o erro. Pais cometem, filhos também, é inerente ao ser humano.

Um equívoco ou simples vacilo pode resultar em casos como o do bebê de 6 meses que morreu dentro do carro em Curitiba no dia 1º de janeiro de 2015. Segundo a mãe, ela trocou a criança dentro do carro e a deixou lá, durante poucos minutos, enquanto ia jogar a fralda no lixo. Esse tempo teria sido suficiente para a criança morrer de asfixia. Em outra fatalidade, que também foi amplamente divulgada pela mídia, o pai teria esquecido que a filha não tinha aula e a criança permaneceu dentro do carro o dia todo. Quando ele voltou, a criança já estava morta.

Casos assim são capazes de expor, de forma incontestável, a fragilidade do ser humano diante do erro. Fico imaginando a dor dessas pessoas quando pegaram seus filhos no colo e, em vão, rezaram para que a criança respirasse, abrisse os olhos, ou tivesse qualquer reação.

Com esses casos tão emblemáticos fica mais fácil entender o erro de outra perspectiva, como um resultado que não se conseguiu alcançar, como algo que fugiu dos seus planos. Mesmo pessoas bem intencionadas cometem erros. Mesmo atitudes e ações boas podem sair com erros.

E assim como é o erro no dia a dia é também o erro em qualquer atividade humana, o que inclui a área da saúde. E errar é humano. Inexorável. E entender isso muda nossa ótica legalista e individual para uma ótica sistêmica.

 

James Reason

A ótica sistêmica vem sendo muito pesquisada há anos. Há especificamente um professor de psicologia da Universidade de Manchester no Reino Unido, James T. Reason, que é fundamental nessa área. Nos últimos 25 anos, o Prof. Reason tem estudado como o erro humano e os processos organizacionais contribuem para a ocorrência de acidentes em diversas áreas como na aviação comercial, nas usinas de energia nuclear, nas ferrovias, em operações marítimas, em serviços financeiros e também nas instituições de saúde. O cerne de suas teorias vem em função da inevitável natureza do ser humano de errar, e que só modificando o “entorno” de onde o ser humano está inserido é possível evitar ou impedir estes erros. É muito vanguardista encarar erros na área de assistência em saúde dessa forma. Por outro lado, meu pai, que é engenheiro de segurança com mais de 30 anos de trabalho em indústria química, conhece esse conceito faz tempo…

Para toda essa conceituação ficar mais clara tomei a liberdade de colocar aqui um trecho traduzido de um artigo publicado pelo Prof. Reason no ano 2000 (Reason J. BMJ 2000; 320:768-770):

 

“A premissa básica na abordagem de sistemas é que os seres humanos são falíveis e os erros são de se esperar, mesmo nas melhores organizações. Os erros devem ser vistos como consequências em vez de causas, que tem suas origens não tanto na perversidade da natureza humana mas sim em fatores sistêmicos “a montante”. Estes  fatores incluem armadilhas recorrentes para ocorrência de erros no local de trabalho e os processos organizacionais que lhes dão origem. Contramedidas baseiam-se no pressuposto de que, embora não possamos mudar a condição humana, podemos mudar as condições em que os seres humanos trabalham. A idéia central é a de defesas no sistema. Todas as tecnologias perigosas possuem barreiras e salvaguardas. Quando ocorre um evento adverso, a questão importante não é quem errou, mas como e por que as defesas falharam”.

 

Por trás desta ideia está a mudança de atitude que devemos que ter diante do erro. Antes de jogarmos pedras e apontarmos nossos dedos, é preciso dar um passo atrás, enxergar a floresta e não só a árvore. Vamos usar o exemplo do bebê que morreu no carro  citado no começo do post. Suponho que a criança tenha morrido de morte súbita (se você é profissional leia mais aqui, se você é pai ou mãe leia mais aqui). Será que a mãe tinha noção deste risco? De que este risco é maior quando a criança está deitada de lado ou de bruços? – como será que ela deixou a criança no carro após trocar a fralda? De que este risco é maior em superfícies que não são planas, como o banco de um carro? Quantas outras perguntas precisam ser respondidas para que novos casos não ocorram?

 

Exemplos da mídia

Lembra de um caso de uma auxiliar de enfermagem que injetou vaselina no lugar de soro em uma criança em um hospital de São Paulo em 2010? Solução dada: demissão, processo por homicídio. Até representantes de classe sustentaram uma visão punitiva para a profissional, o que mostra como estamos longe de uma visão profunda da situação. E vendo o depoimento dado na época pela profissional, fica claro como o ambiente, o processo, as circunstâncias, tudo levou ao fato. Ou alguém de acredita que ela queria que a criança morresse e que se sua carreira fosse exposta de modo tão prejudicial? É preciso saber se o hospital mudou as circunstâncias nas quais o evento adverso ocorreu. Via de regra, as pessoas estão mais preocupadas com a execução em praça pública do que com criar soluções consistentes. E infelizmente isso ocorre porque é (também, assim como o erro) da natureza humana esse gosto pela punição alheia, algo histórico, seja nas praças da Idade Média quando “bruxas” eram queimadas, seja nas praças de Paris durante as decapitações da Revolução Francesa.

Claro que existem situações, de fato, criminosas como a noticiada no Fantástico sobre a máfia das próteses, que inclusive expõe pacientes a cirurgias desnecessárias cheias de riscos. O que quero deixar claro é que o pai que deixou sua filha no carro,  está em outros lugares. É o mesmo ser humano falho que está trabalhando nas indústrias, pilotando um avião, ou fazendo uma cirurgia em outra pessoa. São todos o mesmo ser humano imperfeito, sujeito a erros mesmo dentro das melhores intenções. São pessoas que merecem que seu processo de trabalho seja revisto para que a chance de erro seja minimizada, e para que mesmo que um erro ocorra, o resultado disso seja mitigado. Isso é mudar toda uma cultura de atribuição de culpa e punição, para uma cultura de segurança, uma cultura evolutiva. Afinal, errar é humano, mas evoluir e melhorar também.

 

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