Transição de cuidado do pré para o intra-hospitalar: com base em evento referência, documento lista falhas na segurança

11/10/2023

Analisando um cenário de atendimento de emergência que se depara com um pronto-socorro lotado, relatório aponta desafios para a garantia da segurança dos pacientes

Em agosto deste ano, o Healthcare Safety Investigations Body (HSIB), órgão inglês focado em analisar as principais preocupações com a segurança do paciente nos serviços de saúde a fim de promover o conhecimento por meio da experiência, publicou um relatório (1) sobre danos causados por atrasos na transferência de pacientes.

O fator motivacional para o estudo foi que atrasar a transferência desses pacientes pode gerar danos, fazendo com que a saúde entre em deterioração, e esse cenário pode ser melhorado por meio da melhor gestão do fluxo dos pacientes e da otimização da interação entre os sistemas de saúde.

O material, disponível para download em inglês, consolida as percepções de três outros relatórios e auxilia organizações de saúde, tomadores de decisões, profissionais voltados à elaboração de políticas públicas e até mesmo pacientes a garantir um nível elevado de segurança.

A base do documento foi idealizada em cima do caso (evento de referência) de Kim, uma paciente de 55 anos que fazia diálise semanalmente e, em julho de 2021, foi encontrada inconsciente em casa. Na ocasião, a cuidadora chamou a ambulância às 10h40. Oito minutos depois, o socorro chegou, porém, devido a dificuldades relativas à disposição do imóvel, a ambulância precisou contatar reforços e deixou a casa de Kim levando-a ao serviço de saúde somente as 11h35 e chegando ao hospital às 11h46.

Com a unidade hospitalar lotada e uma fila de pacientes em ambulâncias aguardando a admissão, o atendimento de Kim foi iniciado ainda no automóvel, onde se manteve por 163 minutos. Somente depois desse tempo, aproximadamente às 14h20, a paciente foi encaminhada diretamente à Unidade de Terapia Intensiva, onde foi intubada e permaneceu por 10 dias. Depois desse período, a paciente foi transferida para um hospital especializado para dar sequência à diálise e seguiu com o tratamento domiciliar e ambulatorial.

Com isso, o tempo entre a chamada da cuidadora à emergência e a admissão de Kim no hospital foi de quase quatro horas e trinta minutos, mesmo que a ambulância tenha chegado rapidamente ao pronto-socorro.

Foram identificadas, então, falhas no fluxo de pacientes, o que levava a prejuízos na assistência, e observações importantes:

A movimentação dos pacientes dentro e fora dos hospitais impacta diretamente as filas das ambulâncias nos serviços de emergência;

Os protocolos de segurança do paciente nem sempre são iguais nos diversos serviços;
Questões relativas à força de trabalho, como estresse, esgotamento, ambiente tóxico e longas jornadas, também prejudicam o fluxo de pacientes;
Muitas vezes, o atraso na alta de pacientes clinicamente aptos à liberação da unidade hospitalar também impacta no acesso de novos pacientes através da emergência;
Um hospital com a emergência lotada impacta toda a rede hospitalar vizinha, que sofrerá com o aumento ocasional de demanda;
Se há alta inesperada de demanda na emergência, pode haver quebra na agenda de procedimentos eletivos, que podem ser adiados ou mesmo cancelados;

Nem sempre a elaboração de metas apenas para o sistema de ambulâncias, sem considerar toda a cadeia de atendimento, trará resultados significativos na segurança dos pacientes.

Com base nesses aspectos, o HSIB recomenda o desenvolvimento de uma estrutura de responsabilização que envolva todo o sistema de saúde, permitindo, assim, a ampliação da segurança.

No Brasil, a EBSERH (2) disponibiliza um protocolo para transporte inter-hospitalar de pacientes que auxilia no planejamento e organização do processo de transporte, na padronização de condutas, na prevenção de eventos adversos, na regulamentação de responsabilidades e na promoção da segurança.

O documento lista quais os materiais que devem estar disponíveis, como deve ser montada a equipe e as atribuições de cada um, como devem ser os procedimentos em cada tipo de ambulância (suporte básico ou suporte avançado) e as normas institucionais para pacientes de baixo, médio e alto risco.

Já o Dr. Lucas Zambon, Diretor Científico do IBSP, destaca:

Apesar das transições de cuidado serem pauta frequente nas discussões sobre segurança do paciente, o cenário do pré-hospitalar é muito pouco discutido. Este artigo ajuda a apontar a complexa e intrincada cadeia que há na transicão do pré-hospitalar para dentro das emergências, e pode nos ajudar a refletir sobre nossa própria realidade, abrindo horizontes para potenciais melhorias.