Conversa entre médico e paciente: diretrizes de disclosure ajudam a comunicar erros e eventos adversos a paciente e familiares (Bigstock)Comunicar erros e eventos adversos a pacientes e familiares – o chamado disclosure – é um dever dos profissionais de saúde. Ter acesso a todas as informações é um direito do paciente. E participar de um disclosure, a partir das duas perspectivas, é uma situação sempre difícil.
>> Disclosure: quando contar ao paciente e à família sobre um erro ou evento adverso?
Um corpo crescente de estudos está ajudando profissionais e instituições de saúde a usar técnicas de comunicação para tornar o disclosure menos traumático e mais construtivo para pacientes, familiares e também para os profissionais de saúde.
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Um dos trabalhos mais detalhados sobre como comunicar erros foi conduzido por quatro especialistas americanos, que ministraram um série de workshops com profissionais de saúde, discutindo ferramentas de comunicação e fazendo simulações de disclosure. O modelo conta com o papel de “coach”, um profissional do hospital com mais experiência e preparo na condução desse tipo de conversa. Ele atua como um consultor, orientando os profissionais envolvidos no erro/evento adverso.
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As conclusões da experiência deram origem a um conjunto de diretrizes práticas para comunicar erros e conduzir o disclosure de maneira clara e, ainda asssim, delicada com pacientes e familiares. As diretrizes a seguir foram resumidas e traduzidas pelo IBSP – Instituto Brasileiro para Segurança do Paciente, e podem ser encontradas na íntegra no livro Talking with patients and families about medical error: a guide for education and practice (1).
DIRETRIZES PRÁTICAS PARA DISCLOSURE
PRIMEIRAS AÇÕES
- Garantir que a equipe está atenta às necessidades médicas do paciente
A prioridade é o paciente, e o choque de um erro pode desorientar os profissionais envolvidos, absortos em suas próprias emoções. - Envolver os profissionais adequados na instituição o mais cedo possível
Quem deve ser avisado nesse tipo de erro: médico responsável, gerente de riscos etc… - Avisar o coach e marcar uma reunião para planejar o disclosure
O coach ajuda a dar uma visão de alguém não envolvido diretamente. Todos profissionais da equipe devem participar do planejamento - Se o evento adverso envolver um dispositivo/equipamento, retirá-lo de uso
A gerência de riscos pode ajudar com os procedimentos para tirar o dispositivo de funcionamento e conduzir investigações.
PREPARAÇÃO PARA A CONVERSA DE DISCLOSURE
- Determinar se o disclosure é necessário
Situações em que o evento adverso levou a uma mudança no tratamento – imediata ou futura – precisam ser relatadas. Se não causou consequências e pode trazer mais ansiedade ao paciente e família, a necessidade de disclosure deve ser debatida. É importante lembrar que se o paciente/família notaram mudanças na rotina/agitação na equipe, mesmo que o incidente não tenha tido consequências clínicas, é importante contar para evitar a sensação de que algo está sendo escondido. - Reunir todas as informações possíveis
Colha a perspectiva do erro/evento adverso de todos os profissionais envolvidos. Para eventos mais graves, em pequenas reuniões em grupo. Para os menos, em conversas mais informais. - Usar a abordagem “Pergunte-Conte-Pergunte”
Construa um consenso com a equipe sobre o conteúdo do disclosure, sem partir de pré-concepções. Faça perguntas, incorpore as respostas e faça novas perguntas. Por exemplo: “Concordamos que foi um erro de toda a equipe?” Em caso positivo: “Como concordamos que o erro foi da equipe, devemos formular um pedido de desculpas? Qual é o melhor momento para fazermos isso?”. - Lembrar a equipe que o disclosure é para o paciente, não para os profissionais
A conversa com o paciente e a família não é o momento para discutir entre a equipe causas e condutas. O foco é explicar de maneira clara e direta para o paciente o que ocorreu, desculpar-se e informar o que está sendo feito para corrigir o problema. Análises de causa-raiz e estratégias de melhoria são discutidas em outras instâncias e ocasiões - Determinar quais profissionais devem participar
Via de regra, os profissionais envolvidos. Cabem exceções quando o profissional não tem condições emocionais ou dá sinais de que não atua em equipe ou quando o paciente e a família podem se sentir incomodados com a presença. Chamar funcionários do hospital não envolvidos diretamente pode passar a mensagem errada de intimidação ou de defesa, não de preocupação genuína com o paciente - Pensar em quem deve estar presente para apoiar a família
Médicos que acompanham o paciente, amigos, religiosos. A assistência social pode ajudar a encontrar pessoas cuja presença pode ser importante para o paciente e sua família no momento da conversa - Decidir quem deve conduzir a conversa
É importante que seja alguém com quem o paciente e a família estejam acostumados, para que tenham a sensação de continuidade do cuidado - Definir com a equipe o conteúdo do disclosure
Fatos, nunca suposições, devem ser comunicados. Antecipe as dúvidas que podem surgir para pensar em respostas concretas, que não caminhem para hipóteses - Determinar um bom momento para a conversa
De preferência, nas primeiras 24 horas – mesmo que todos fatos ainda não tenham sido apurados. Comunique os fatos e garante que haverá atualizações assim que novas informações surgirem. Postergar a conversa dá a impressão de que o hospital está ganhando tempo para acobertar o erro/evento adverso - Defina quem centralizará a comunicação futura
A conversa inicial de disclosure pode ser seguida por outras, para atualizar o paciente e a família com novos fatos e desdobramentos. É importante definir quem será o responsável para fazer essas comunicações, para não haver ambiguidade e informações desencontradas - Discutir a melhor linguagem a ser usada, de acordo com o perfil do paciente/família, condição cognitiva e uso de medicação
São variáveis que podem afetar a compreensão. Escolha a melhor linguagem. Termos muito técnicos podem soar como postura distante e indiferente para algumas pessoas e linguagem muito simplificada pode parecer desrespeito com outras
A CONVERSA DE DISCLOSURE
- É preciso ser verdadeiro
Frases prontas, que não fazem muito sentido para o profissional, provavelmente também não farão para o paciente e a família. Coloque-se no lugar deles e seja autêntico - Lembrar-se dos valores fundamentais de qualquer relacionamento
Paute sua fala em transparência, respeito, responsabilidade e compaixão para reconstruir a confiança na relação profissional-paciente - Usar a regra de ouro: o que você gostaria de saber se fosse o paciente?
É um bom começo para orientar a conversa, ainda que não seja infalível. As pessoas são diferentes uma das outras - Transmitir empatia pelo sofrimento alheio
Mostre que você está preocupado com as emoções do paciente/família - Estabelecer a pauta da reunião
Antes de começar o encontro, esclareça de maneira direta o objetivo do encontro, para que não haja mal-entendidos - Garantir a clareza da comunicação
Peça para o paciente e a família explicarem o que entenderam sobre a sua fala, pergunte se restam dúvidas, se há alguma outra informação que eles precisam e como você poderia ajudá-los - Ater-se aos fatos
Não é o momento de construir hipóteses. Atenha-se aos fatos e esteja preparado ter os dados ainda não sabidos em uma primeira conversa (resultados de exames, por exemplo) nos encontros posteriores - Assegurar que o evento será investigado e novos dados serão comunicados
Reforce que a preocupação foi informá-los o mais breve possível e que, por isso, ainda não se sabe sobre todos os fatos. Mas que isso não quer dizer que ele não serão analisados em profundidade e comunicados - Ter empatia sempre, desculpar-se quando for apropriado
É fundamental demonstrar que os profissionais e a equipe entendem – e se solidarizam – com o sofrimento do paciente e da família. Um pedido formal de desculpas deve ser feito quando o problema foi causado por um erro. Mas é necessário que a análise do caso já tenha sido feita para evitar que a responsabilidade recaia injustamente sobre um profissional - Retomar o plano de cuidados do paciente
Reafirme o foco no tratamento e revise quais serão os próximos passos a partir daquela nova circunstância e o que já está sendo feito - Verificar se os relacionamentos clínicos podem ser mantidos
- O ideal é tentar refazer o laço de confiança entre profissionais e paciente/família. Isso não impede de oferecer à família uma segunda opinião sobre o caso e o novo plano de tratamento, para garantir que o melhor cuidado está sendo oferecido
- Não responder a perguntas sobre compensação financeira
Caso você não tenha autoridade institucional para falar sobre esse assunto, indique entender a preocupação do paciente/família e afirme que esses pontos poderão ser respondidos pelo departamento da instituição com competência para isso. Avise o setor de gerenciamento de riscos para que eles possam atender a família com rapidez - Preparar-se para que as desculpas não sejam aceitas
O paciente e a família podem não estar prontos para perdoar na primeira conversa e, em alguns casos, nunca. Pode ser frustrante para o profissional, que se sente vulnerável por ter se exposto. Tenha certeza de que o correto foi feito
DOCUMENTAÇÃO E ACOMPANHAMENTO
- Reunião de debrief após o disclosure
O encontro com o paciente/família pode gerar novas tensões na equipe acerca de responsabilidade. Um encontro com a equipe, apoiado por um coach ou líder clínico, imediatamente após o disclosure pode ajudar - Avaliação das condições emocionais dos profissionais envolvidos
A estrutura de apoio psicológico do hospital deve ser acionada: colegas do setor preparados para oferecer apoio emocional, assim como lideranças clínicas - Documentação do disclosure no prontuário
Incluir um resumo da conversa no registro do paciente
Referências
- (1) Truog, Robert D et al. Talking with patients and families about medical error: a guide for education and practice. The Johns Hopkins University Press (2011).
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